A Turquia é a nossa mais íntima desconhecida. Sabemos mais de países do Extremo Oriente, como a China, o Japão, o Tibet, a Índia. E no entanto, a Turquia tem um pé na Europa - é, assim, o mais próximo dos países asiáticos - e uma profunda presença na história ocidental. O Otelo de Shakespeare combate os turcos em Creta. Napoleão se bateu contra os turcos ao invadir o Egito. A primeira guerra moderna, a da Crimeia, opôs o Império Russo ao Império Otomano. Império Otomano que esteve no centro da Primeira Guerra Mundial, pois foi o esfacelamento de sua parte europeia, os Bálcãs, que gerou a instabilidade da qual ela se iniciou. O fim da Primeira Guerra, por sua vez, extinguiu o próprio Império Otomano e originou a atual Turquia, cujas instituições políticas, aliás, imitam as ocidentais. Mas o que sabemos, afinal, da Turquia? Sua localização entre a Europa e a Ásia, sua religião, o islã, sua condição de república laica, seu fundador Ataturk, Istambul, os sultões, os haréns. Mas o que sabemos, por exemplo, de coisas tão fundamentais como sua língua, sua literatura, seus hábitos, suas tradições, enfim, sua cultura? Não é exagero dizer que, de alguns pontos de vista bastante sólidos, a Turquia é, em relação ao Ocidente, o mais próximo e o mais relevante país asiático, e estranhamente, o mais distante de nossos corações e mentes. A publicação de Dede Korkut Oguznameler, ou O livro de Dede Korkut, é um pequeno porém significativo passo para mudar tal situação no Brasil. Pois se trata do mais importante poema épico em língua turca (originária do centro da Ásia), traduzido diretamente por Marco Syrayama de Pinto, que também responde pelas notas e pelo detalhado prefácio, o qual inclui história, literatura e língua turcas (tornando esta edição ainda mais significativa). Vale registrar que este é o primeiro livro traduzido diretamente do turco a ser publicado no Brasil. Segundo Meridiano 47, boletim de análise de conjuntura em relações internacionais, "Várias datas são sugeridas para o desenrolar das narrativas de Dede Korkut. A maioria dos estudiosos concordaria que o período mais provável seria o do século XV, na medida em que as tradições mencionadas registrariam conflitos entre os oguzes e seus rivais turcos na Ásia Central. Outros autores, no entanto, situam os acontecimentos como ocorridos ainda nos século VIII. A grande dificuldade para o estabelecimento mais preciso das datas deve-se ao fato de que os povos em questão eram nômades, sem deixarem registros por escrito, prevalecendo as narrativas orais. Os contos épicos de Dede Korkut encontram-se entre os melhores, registrados oralmente, na língua turca. Para especialistas, não há dúvida de que os fatos ocorridos teriam acontecido no território, hoje ocupado pelo Azerbaijão. Na esquina da Rota das Sedas, conforme já foi dito, por ser Baku, então, centro comercial da maior importância, no intercâmbio de bens e convergência de culturas, entre a Europa e a Ásia Central. Tratam de lutas pela liberdade em época durante a qual os oguzes eram um povo pastoril, em fase de transição para o conceito de uma etnia turca mais ampla. Ocorria, mais uma vez, de um ponto de inflexão - de outra fronteira, no tempo - enquanto o Islã começava a predominar na região, coincidindo com a adoção de um estilo de vida mais sedentário, possivelmente no século XIV. Hoje publicado em diferentes idiomas, o Dede Korkut registra, como já mencionado, narrativas orais, ora com escritos em prosa, ora em versos. Conclui-se, hoje, que a epopeia é composta por dezesseis histórias. As doze principais compreendem período posterior à adoção do Islã, pelos turcos. Os heróis, portanto, são retratados como ‘bons muçulmanos’, enquanto há referências aos infiéis, como vilões. Mas há referências, também à mitologia prevalecente no período anterior à introdução do Islã. O personagem Dede Korkut é entendido como o ‘Vovô Korkut’, uma mistura de curandeiro, profeta e narrador de estórias. É desenhado como um respeitável idoso, de cabelos e barbas brancos. O décimo segundo capítulo faz a compilação de dizeres atribuídos a ele. Representa, portanto, um líder mais velho - conselheiro ou sábio - resolvendo as dificuldades com as quais se confrontam os membros da tribo." O prefácio, porém, não poderia resumir melhor o significado dessa obra: "O livro de Dede Korkut é o grande épico dos turcos da Turquia, Azerbaidjão e Turcomenistão, composto de doze contos (denominados boy ou hikayet) em prosa, com declamações (soylama) em verso, que chegaram ao nosso conhecimento através de dois manuscritos escritos por um autor anônimo, num lugar não identificado. As histórias, que são contos de narrativa oral, tratam de reminiscências dos feitos heroicos dos guerreiros de uma tribo turca, os oguzes, na região nordeste da Anatólia, Geórgia e Azerbaidjão, suas batalhas contra outras tribos turcas, os gregos [bizantinos] que habitavam a costa do mar Negro e os georgianos, além de seus costumes, tradições e espiritualidade". Resta, pois, apenas lê-lo.