"À fotografia também se atribui um pecado original: o fato de ela decorrer de um necessário referente real. Isso tem sido usado para desqualificá-la como possibilidade expressiva. Por outro lado, o reconhecimento de sua natureza fragmentária retira-lhe a confiabilidade como testemunho inequívoco de um acontecimento, pois permite, no ato do registro, a supressão de dados fundamentais, o que comprometeria seu valor documental. Todavia, essa mesma fragmentação é a origem de um potencial inesgotável para a obtenção de imagens que, pinçadas de uma mesma realidade, podem, por seu poder de síntese, proporcionar . visões reveladoras e surpreendentes. A fotografia é a transcrição arbitrária do real a partir de uma - decisão individual, do olhar de um autor mobilizado por suas indagações que, acumpliciado com a luz e intermediado por aparatos e processos tecnológicos, consigna suas percepções de vida e partilha-as com quem estiver interessado. São essas as questões: a contigüidade com o real, a fragmentação e a intermediação tecnológica que, entendidas de modo . apressado e primário, conduzem a uma sucessão interminável de equívocos, induzindo à interdição do acesso da fotografia ao universo da criação, no qual, queiram ou não, ela se inclui de modo especial. Se a fotografia nasceu para um determinado fim, o homem reformou-a, fazendo dela um instrumento de investigação das coisas à sua volta e de si próprio. Aí, então, passamos a falar de algo bem mais complexo e generoso, muito além de um simples fenômeno físico-químico destinado a produzir imagens, mas do homem apropriando-se de suas invenções para ampliar seu acervo sensível. "