Ao decidir escrever sobre a colonização de Goiás pelos portugueses, no fim do século XVIII, e as batalhas entre brancos e índios, a escritora Maria José Silveira percebeu o quanto se reconheceu "profundamente goiana". Nascida em Jaguará, ela deixou Goiás na adolescência, mas se abre em elogios à "antiqüíssima e estranha beleza" do cerrado e à riqueza cultural de sua região. Em seu novo romance, GUERRA NO CORAÇÃO DO CERRADO, ela conta a trajetória de uma personagem real, Damiana da Cunha, índia criada por brancos, que serviu de intermediária nos incontáveis conflitos entre seu povo e os portugueses. Uma mulher que impressiona por suas habilidades sociais, sua força de guerreira cayapó, tribo conhecida pela resistência ao sofrimento e pela coragem de enfrentar os tapui. Em um relato impressionante, movido pela tensão entre índios e brancos, Maria José Silveira nos transporta à Vila Boa que ela imaginou, a partir de suas pesquisas. A história de Damiana é puro material para romance: a impossibilidade histórica de sua tentativa de fazer com que duas forças culturais em conflito pudessem viver em paz, a ambigüidade do personagem, a questão da impossibilidade da conversão e, sobretudo, a guerra de extermínio de povos indígenas. "O interessante é constatar como esses mesmos temas continuam atuais. A hostilidade e incompreensão entre duas culturas, por exemplo, quando existem interesses econômicos bem concretos por trás - na época de Damiana, a terra e o ouro, hoje o petróleo e a mão-de-obra, amanhã a água -, há tema mais atual do que esse?", argumenta a autora. Em GUERRA NO CORAÇÂO DO CERRADO, Maria José Silveira dá voz a uma personagem pouco explorada pela historiografia nacional. "Muitas vezes não sabemos se o que é falado sobre Damiana é verdade, não se sabe ao certo se ela foi bonita ou as exatas palavras que proclamou para encorajar sua tribo a não desistir de brigar pela liberdade de plantar sua própria comida e trabalhar apenas o tempo que considera necessário". O que os relatos históricos revelam são uma personagem que tentou, em vão, agilizar a pacificação entre cayapós e os habitantes de Vila Boa, em um processo, que, como sabemos, traz conseqüências até hoje para a formação da sociedade brasileira.