Durante quatro ou cinco gerações, a prosa bárbara de Eça de Queirós embriagou, literalmente, os leitores brasileiros. Ler Eça era como tomar um narcótico. O leitor pulava da dimensão normal da vida para um plano requintado, onde a ironia fustigava como um chicote e o Portugal meio bronco e preconceituoso do século XIX se transformava em território mágico, tão apaixonante quanto os requintes de estilo do escritor, os seus galicismos ousados, as suas comparações deliciosas como aquele sorriso duma doçura de tentar abelhas.
O seu primeiro romance, O Crime do Padre Amaro, despertou um sem-número de apaixonados no Brasil. O próprio Machado de Assis, que fez sérias restrições à obra, reconheceu a grandeza do colega de além-mar. As gerações seguintes continuaram amando e debatendo a obra de Eça. Essa febre se prolonga até as décadas de 1920 e 1930. Os rapazes que fizeram a revolução modernista eram leitores fanáticos de Eça. Conheciam cada detalhe de sua obra, os tiques dos personagens, sabiam de cor trechos imensos, em particular dos romances.
A preferência pelos romances deixou os contos em segundo plano. Parece que o próprio Eça não os valorizava tanto, não se preocupando sequer em reuni-los em volume. A edição dos Contos é póstuma, reunindo doze trabalhos, publicados ao longo do tempo. Neles se encontram algumas das melhores páginas escritas pelo escritor, como o magistral “José Matias”, uma das obras-primas do gênero na literatura universal, “Perfeiçã”o, “O Defunto”, “Suave Milagre, Civilização”, matriz de um dos romances mais famosos de Eça, A Cidade e as Serras. A crítica moderna não faz por menos: distingue nesses contos o ponto mais alto da obra de Eça e a perfeição máxima de sua prosa, com alguma coisa de cristalino, de aveludado, de ondeante, de marmóreo, como queria o próprio escritor.