Quase memória: em pequena nota inicial, o autor explica o título quase felliniano. A vida de Cony-pai por Cony-filho, porém, em nenhum momento é quase alguma coisa: nela e na sua forma literária, tudo é pleno. Como foi, na verdade, a vida venturosa e aventurosa de Cony-pai. Como é o talento bem-aventurado de escritor, incomparável em sua geração, de Cony-filho.Nos primórdios do meu jornalismo, conheci Cony-pai. Nos trinta anos desde então, muitas vezes me lembrei dele: devo-lhe o único gesto de solidariedade física em minha quase-vida de jornalista. Supunha-o indescritível, insintetizável, encerrado para sempre, onde quer que esteja na sua originalidade fascinante.Cony-pai está aqui, no entanto. Renascido da quebra repentina, pela força de um choque emocional, dos 23 anos de silêncio mal explicado que o romancista Cony se impôs, depois de nove romances tão bem-sucedidos e louvados (o duplo retorno, você vai ver, é mais um feito típico de Cony-pai). Renascido pelo domínio narrativo com que Cony-filho lida, indiferentemente, seja com o lírico ou o dramático, o humorístico ou o memorialismo. Todos estes presentes aqui em doses altas, e ainda temperados por saboroso toque de mistério.Com os óculos da nostalgia adulta, Cony-filho reencontra seus olhos de menino. Reencontra-se com a juventude, com o limiar da maturidade.A tal ponto que não sei se Quase memória é mais a quase biografia de Ernesto Cony Filho ou a quase-autobiografia de Carlos Heitor Cony. Mas sei, com toda a certeza, que é um livro delicioso.Janio de Freitas