O romance 'A vendedora de fósforos' é um mosaico perturbador da relação entre duas irmãs. Uma mulher aproveita a folga de fevereiro para pôr em ordem a sua estante de livros. No meio da arrumação, é surpreendida por um telefonema: a irmã mais nova, que mora em outra cidade, foi internada após mais uma tentativa de suicídio. Depois de anos de separação, a mais velha é obrigada a rever o passado, essa caixa-preta de fraturas, angústias, segredos, recalques e escombros que, durante muito tempo, esquivou-se de inventariar. 'A vendedora de fósforos' tomou o seu título do conto -Den lille pige med svovlstikkerne- ("A pequena vendedora de fósforos"), de Hans Christian Andersen. "Dá para mudar a história dos livros?", indaga uma das irmãs. "Aquela é a história do Andersen. A minha eu conto assim", ouve como resposta. É a linguagem, afinal, que funde as duas irmãs-protagonistas deste romance. Ambas aspirantes a escritoras, constroem sua relação em jorros vocabulares e silêncios profundos; embaralham-se e azucrinam-se porque estão, como grande parte dos personagens de Adriana Lunardi, ousando experimentar as artimanhas da palavra.