Dênis de Moraes, professor da Universidade Federal Fluminense, é acadêmico e pesquisador respeitado na área da Comunicação, domínio no qual a sua contribuição é expressiva, como o atesta, mais uma vez, o seu recentíssimo livro Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação (2011). Traduzido e reconhecido no exterior (em 2010, recebeu o "Premio Internacional de Ensayo Pensar a Contracorriente", do Ministério da Cultura de Cuba), é autor de obra que se pode considerar, sem nenhum favor, extremamente significativa. No conjunto desta obra (mais de 20 títulos), há um segmento muito especial: aquele em que Dênis de Moraes - revelando-se um notável escritor sob a aparência de um jornalista que revisita a história - se debruça sobre a esquerda brasileira. Recorra-se a três de seus trabalhos para se ter a dimensão desta característica: Vianninha, cúmplice da paixão (1991), O velho Graça (1992) e O rebelde do traço (1996) - excelentes biografias de Oduvaldo Vianna Filho, Graciliano Ramos e Henfil, nas quais o itinerário (de/na esquerda) dos biografados se reconstrói tendo a sua historicidade não como cenário, mas como substância de suas vidas e obras. Contudo, é neste A esquerda e o golpe de 64, publicado originalmente em 1989, que o escritor talentoso escondido sob a pele do jornalista inquieto a cavucar o terreno da história aparece mais explicitamente. O seu objeto é o elenco de concepções, táticas e projeções (e, sobretudo, de ilusões e equívocos) com que os diferentes setores da esquerda brasileira se movimentaram especialmente sob o governo João Goulart, derrubado a 1º de abril de 1964 pelas forças que acabaram por instaurar o que mestre Florestan designou como "autocracia burguesa". Trata-se de objeto já examinado por muitos estudiosos, acadêmicos ou não, com maior ou menor competência. Diferente e original é o trato que Dênis de Moraes realiza neste livro de leitura apaixonante. Reconstruindo o processo político que culminou nos idos de 1964 como que num roteiro fílmico, o autor reconfigura o protagonismo de sujeitos coletivos e de personalidades da esquerda - cujos depoimentos comparecem em seguida - que jogaram papéis relevantes naquela conjuntura. Para as gerações que não experimentaram o drama dos anos 1960, a dinâmica daquela história, sem a qual não se pode compreender o Brasil dos dias de hoje, surge límpida na grandeza da sua esperança e na tragédia dos seus limites. Dênis de Moraes, nestas páginas em que o talento do escritor dá as mãos à argúcia do jornalista que investiga, nos oferece a prova decisiva da validez do antigo juízo de Mário de Andrade: a história não é exemplo, é lição.