Homem dos mil instrumentos, agitador cultural, musicista, poeta, crítico, professor, romancista, divulgador de idéias novas, demolidor de tabus e preconceitos, epistológrafo sem paralelo na língua portuguesa, Mário de Andrade foi a personalidade mais fulgurante do movimento modernista e uma das figuras capitais da literatura brasileira. Como em tudo que fez - romance, crítica, ensaio, poesia ou uma simples carta -, Mário deixou a sua marca pessoal, aliás personalíssima, no conto brasileiro. Depois de um começo imaturo (segundo classificação do próprio escritor) com Primeiro Andar, firma-se no volume seguinte, Belazarte (nome do rabugento narrador dos contos), como um dos mestres do gênero na literatura brasileira, em todos os tempos. Contos Novos, de publicação póstuma, mantém o nível e sugere novos caminhos que a morte impediu de trilhar. No conto, como em tudo o mais, o escritor buscou renovar o gênero, com a sua visão jovial e zombeteira da vida, mas sobretudo através de uma linguagem brasileiríssima, onde o adjetivo ocupa o lugar do advérbio, o pronome surge deslocado em meio aos italianismos, tão típicos da fala paulistana, o ponto-e-vírgula é substituído pela vírgula, dando ao texto aquele ritmo todo especial. Mas o que determina a permanência dessa obra, como assinala Telê Ancona Lopez no prefácio aos Melhores Contos Mário de Andrade, é "a forte pulsação de humanidade que deles se destaca, ultrapassando diretivas estéticas, datas e programas". É o sentido de humanidade que torna inesquecível a história maliciosa de Rosa, despertada para o sexo graças às artes de um besouro (O Besouro e a Rosa), a persistente presença paterna em O Peru de Natal e Tempo da Camisolinha, ou a descoberta da homossexualidade em Frederico Paciência. A técnica é efêmera, o humano eterno.