O inferno verde da floresta amazônica é o cenário de Terra caída, de José Potyguara - um dos livros que inspiraram a minissérie Amazônia: de Galvez a Chico Mendes, de Glória Perez. Mantendo raro equilíbrio entre um enredo eletrizante e um conteúdo de denúncia social, o romance do escritor cearense descreve a saga dos seringueiros que protagonizaram o "ciclo da borracha" - período no qual foram atraídos para a região do Acre trabalhadores de todo o Brasil. A trama é deflagrada pela chegada ao Acre das famílias de Chico Bento e de seus confrades Zé Rufino e Policárpio, que migraram do Ceará para a região dos seringais, fugindo da seca nordestina. A partir daí, Potyguara cria vários núcleos narrativos, tendo como fio condutor os dramas individuais provocados por uma natureza hostil e por um igualmente selvagem sistema de exploração do trabalho, representado pelo coronel Tonico Monteiro e por Tomaz, seu homem de confiança. Traições e mortes se sucedem em ritmo vertiginoso, enquanto a luta por dinheiro e poder ganha cores cruas, mostrando a face embrutecedora de um modelo econômico predatório. Num regime de trabalho semi-escravo, no qual os trabalhadores se endividam com o patrão, sendo impedidos de deixar suas terras, os seringais são como grandes senzalas verdes vigiadas por capatazes. Nesse quadro sempre à beira da violência, outro elemento importante da narrativa contribui para acirrar os ânimos: a escassez de mulheres. O custo de transporte e alojamento das famílias e as condições inóspitas transformam o seringal numa terra de homens solteiros, cuja volúpia se intensifica na presença feminina, destruindo ainda mais os laços sociais. Em Terra caída, a condição desigual das personagens encontra um destino comum na destruição: todos serão vítimas da floresta impiedosa (com seus animais ferozes e dilúvios devastadores) e da perversidade que emaranha pais e filhos em disputas sexuais, transforma mulheres em mercadoria e envolve compadres e camaradas em rivalidades homicidas. Entre adultérios e incestos, assassinatos e punições, os seringueiros tentam preservar sua humanidade, sempre prestes a ser tragada pela natureza luxuriante: "No centro da floresta, condenado à tristeza do isolamento, o homem assiste impassível à sua própria bestialização através de uma existência vegetativa em que a monotonia domina tudo, dando a impressão de que, ali, a vida parou", escreve Potyguara nesse livro sem nenhuma monotonia, escrito no ritmo cinematográfico de um faroeste dos seringais.