Uniram esforços dois expoentes da cultura jurídica brasileira para enfrentar, como desbravadores, a nova disciplina que a Lei n. 12.403, de 2011, deu ao tema da prisão processual ao mesmo tempo em que instituiu medidas cautelares inovadoras no âmbito do processo criminal. Resultou desse esforço a obra que tenho a honra de apresentar ao leitor, a ela dando o aval de quem tem a certeza de tratar-se de um trabalho importante e de indiscutível utilidade para os estudiosos do processo penal, sejam eles advogados, promotores, juízes, policiais, estudantes e mesmo leigos. É que se cuida de uma obra lavrada em linguagem limpa, direta, objetiva. Elegante e técnica, sem pedantismo nem superficialismo. Minuciosa e criativa, sem ser mirabolante. Com personalidade – e felizmente – os autores engrossam as fileiras daqueles que, bafejados pela experiência docente, vão abandonando o ranço do juridiquês, que sempre caracterizou o direito como um saber destinado a uma elite de iniciados. O trabalho principia com uma Introdução que já revela o espírito dos autores e sua disposição em não se furtarem ao exercício da crítica. Desenvolve-se em capítulos nos quais os artigos modificados são apresentados lado a lado com a sua nova redação e esta recebe comentários que imediatamente situam o leitor no que toca aos prováveis motivos da alteração e às suas principais e prováveis conseqüências. É claro que, tratando de uma disciplina jurídica trazida por uma lei recente, a obra ainda não pode contar com a interpretação jurisprudencial que aos poucos haverá de ser desenvolvida por conta de sua aplicação concreta. E, ao propor critérios de aplicabilidade a institutos jurídicos recém chegados, é que está um dos méritos dos autores, pois será a partir de propostas dessa natureza que se firmará um padrão de leitura e de concretização dos novos dispositivos legais. É inegável que a reforma trazida pela Lei n. 12.403/11 dá continuidade à opção dos legisladores brasileiros por mudar o Código de Processo Penal em etapas, no que correm o sério risco de, por meio de determinada alteração, provocar uma insolúvel incoerência com o sistema jurídico visto na sua totalidade. Cuida-se do que tenho entendido configurar a técnica do puxadinho: a prática de resolver problemas pontuais, geralmente sob a pressão de assuntos de momento, sem mudar nem considerar todo o conjunto, levando a um direito de ocasião, equipara-se à situação do morador que, sem chamar um arquiteto para a reforma da casa, vai resolvendo pequenos problemas construindo puxadinhos aqui e ali, até ao ponto em que a rede de esgoto do novo cômodo encontra-se com a torneira da pia da cozinha... Pois bem, embora inatacável na sua individualidade, o texto introduzido por esta reforma processual oferece pontos de dúvida quanto ao seu relacionamento com a sistemática jurídica brasileira, notadamente se vistos a partir de uma exegese da Constituição. Exemplo disso é a perplexidade que surge por conta de uma leitura do capítulo referente aos Direitos Individuais que reconhece o direito à liberdade provisória sempre que não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, independentemente mesmo do crime objeto da acusação. Então, já que a liberdade provisória agora se encontra, de certa maneira, atrelada à prestação de fiança, cabível na imensa maioria dos delitos, restará para os aplicadores da lei compatibilizar o direito à liberdade quando a fiança for impossível segundo o previsto, por exemplo, no artigo 323 do Código de Processo Penal. O que fazer? Conceder a liberdade sem fiança justamente no caso dos delitos mais graves? De outro lado, aspecto que não pode passar despercebido no texto da reforma é a nítida afirmação de um direito processual penal de índole garantista, compatível com o espírito da Constituição cidadã de 1988, com o que se vai livrando o estatuto penal adjetivo da tonalidade autoritária que lhe imprimiu o legislador (aqui sim, no singular) do Estado Novo. Este, é bom lembrar, declaradamente assumiu, na Exposição de Motivos, que o texto não transigia com as sistemáticas restrições ao poder público e mostrou eloqüente inconformismo com as até então vigentes leis de processo penal [que] asseguram aos réus [...] um tão extenso catálogo de garantias e favores que a repressão se torna [...] defeituosa e retardatária. Quantos direitos, tratados como favores, devem ter sido sacrificados por agentes públicos, calçados nessa estridente proclamação de autoridade e decerto quase sempre em prejuízo daqueles subalternamente posicionados na perversa e desigual hierarquia da nossa sociedade... Destaquem-se, como demonstração dessa tendência garantista, que inverte aos poucos o rumo daquele processo imaginado pela redação original do Código, o limite objetivo de quatro anos como pena máxima cominada ao crime para justificar o decreto de prisão preventiva (art. 313, I), assim também a obrigatoriedade de que a decisão judicial em tal sentido seja motivada (art. 315). Aqui está uma sutil diferença que o novo texto foi feliz em estabelecer com o anterior, que mencionava despacho fundamentado. A par de, adequadamente, substituir o termo despacho por decisão, a nova redação, ao exigir que seja esta motivada, impõe ao juiz o dever de não apenas apontar o fundamento – que bem poderia limitar-se ao fundamento legal – de sua deliberação, mas expor as razões que o levaram a ela, querendo isto forçosamente dizer razões de fato, assim tornadas públicas e visíveis, possibilitando ao acusado o amplo exercício do direito de defesa. Em suma, estas são apenas algumas das novidades da reforma, que, dentre tantas outras, também prevê medidas cautelares antes inexistentes, como a monitoração eletrônica e a internação provisória, e consolida o papel da prisão preventiva como a última opção para garantir a aplicação da lei penal. De tudo, aplicada e criteriosamente, se ocuparam os autores Cláudio do Prado Amaral e Sebastião Sérgio da Silveira. O primeiro, juiz de direito e integrante do Grupo de Pesquisa Educação e Direito, da UFSCar; o segundo, promotor de justiça e pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra. Ambos professores doutores de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da USP, em Ribeirão Preto, e já conhecidos do leitor das boas obras jurídicas, dadas as suas inúmeras publicações nessa área. Ambos, antes de tudo e principalmente, juristas engajados na democratização da ciência jurídica e numa distribuição mais igualitária da justiça. Plínio Gentil Professor Doutor da Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo e Procurador de Justiça