Quando bato o olho num poema e o danado revida, sei que estou diante de algo marcante, de grande força e importância. É que comigo funciona assim: ou o poema é um ser capaz do re-vidar (recriar/transformar a vida), é capaz de artimanhas e peraltices, ou ele é um objeto que manuseio e posso descartar adiante, sem que me falte o ar, ou sem que ele passe a fazer parte de mim, da minha construção enquanto indivíduo. Ou seja, um poema deve me lembrar sempre a parte da parte de Gaia que sou. Que somos todos. Devemo-nos tornar um ser coletivo, um fio da teia. Alguém que se diverte sendo muitos, ou nenhum. Nunca é demais ressaltar que não estamos nos referindo a misticismos bobos, nem a míticas teorias distanciadas no tempo e na paganice frívola de há algumas gerações. Falamos do ser Gaia que somos quando nos submetemos à mãe terra, à deusa (quase) prenhe, ao grande ventre que nos acolhe e nos regurgita no mundo. Falamos de nossa incompletude (e de como ela é angustiantemente linda) diante da arte, uma marca da poesia de Ana. A nostalgia do não-vivido está ali, à nossa espreita nos voyeurizando e instigando. É como se tentássemos pilotar carruagens de palavras úmidas de euforia e desprendimento e que nos devassam (no sentido devastador do termo) por dentro e por fora. Não há um eu-poético ditando normas de comportamento diante da mesa posta de poesia. O que se vê é antes o desejo visitando a carne em sílabas e versos, como se este sempre tivesse sido o seu caminho natural, como se não fosse necessário distinguir entre poesia e realidade, como se o lar da alegria também fosse o da dor. Aqui tudo é necessário, tudo é parte do conjunto, todo maniqueísmo é esquecido porque a razão maior não é estar certo, mas o errar, judeu, no corpo amante.