Foi dado ao homem o dom de falar com os mortos, de ouvi-los. Não que este personagem quisesse; isso era antes de tudo um fardo que o acompanhava desde criança, quando a menina que vestia azul e morrera naquele horrendo acidente começara a falar com ele. Mas hoje os seus mortos não o assustam mais. Ele adquiriu uma serenidade insuspeitada. E consegue ouvi-los com a paciência que dedicaria a uma criança, quando os ouve falar sobre as suas histórias e seus dramas, que fazem doer como navalha molhada no álcool. São fragmentos de vida e morte. O homem já não teme o desconhecido. Mas ainda sofre com o sofrimento daquelas almas. E ainda chora.