Pensar o perdão é fazer uma navegação às profundezas da falta e descobrir a marca do absurdo com que ela sela a vida humana. E, desde esse fundo tenebroso, reinventar uma vida. Se de todo ele é possível, o perdão será dom transbordante no seio de uma dívida dolorosa. Mas não se chega da dívida ao dom sem passar pela reinvenção do sentido. Porque o passado é irreversível. O que resta é a leitura com que ele é olhado, que pode ser recriada. E recriadora. Face ao irreversível e ao imperdoável, o perdão representará uma reconfiguração na história de uma vida. Dom desproporcional, excessivo, transcendente, o perdão mostra-se como renarração, luto, promessa, reconhecimento e hospitalidade. Dá-se como caminho de acolhimento do outro, do outro inimigo, do outro culpado, na recriação de uma vida e do viver juntos. Talvez só nele se dê o milagre de fazer do inimigo um amigo.