Há uma delicadeza comovente na relação do menino de rua com o homem que, juntos, envolvem-se com a Canção para chamar o vento. O garoto, sem perceber, vai se interessando pelo encantamento de uma boa história. No livro, os dois ambientes narrativos se alternam. Em um espaço há a cidade, a torre da igreja, o homem, o menino, o banco da praça, a polícia, os outros meninos de rua, o viaduto, o vento. No outro, um reino, o vento, o rei, a princesa e o rapaz do povo, o amor de ambos, a proibição do pai e a ajuda do vento. No final, o menino de rua ganha o livro do homem. Ele não sabe ler, mas leva o presente. À noite, em meio à indiferença da cidade e de seus habitantes, embaixo do viaduto, uma fogueira, a igualdade de condição e o livro aquecem os jovens. O vento vela pelo sono deles. Dessa forma, as autoras do livro conseguem, corajosamente, tecer um fio que enlaça os dois mundos: o de crianças injustiçadas pela vida e o mundo da literatura. Ressignificam, assim, o desejo do que gostaríamos de alterar: a desumanização a que essas crianças estão sujeitas, em especial aproximando-as da arte e da literatura, como expressões humanas fundamentais.