Os crimes fiscais têm, nos últimos tempos, vindo a conhecer um interesse acrescido tanto nos meios de comunicação social como nos próprios discursos políticos. A fraude fiscal surge, muitas vezes, como forma sintética de fazer referência aos ilícitos penais fiscais, sendo os sentimentos sociais relativamente a ela não poucas vezes dúbios. Se há aqueles que estão conscientes que cada crime fiscal contribui para, a final, pôr em causa as funções sociais do Estado, a redistribuição de riqueza - quem tem mais deve contribuir com mais - e constituir factor de distorção da concorrência comercial, não faltam aqueles que põem em causa o modelo de Estado que temos e se mostram indiferentes a campanhas de luta contra a evasão fiscal, como o pedir factura, não acreditando que os impostos com isso vão baixar, mas somente aumentar a intervenção dispendiosa do Estado. Não olvidamos aqueles que olham com admiração para quem foge ao Fisco, contudo, tal, por si só, não chega para haver um sentimento comunitário a favor da abolição dos tributos. Cremos que na grande maioria dos casos essa admiração reflecte a inveja por não se conseguir pagar menos ao Estado, o que é humano, mas não traduz a falta de consciência de que as condutas ilícitas de fuga ao Fisco estão erradas. As presentes páginas não têm por objectivo tratar de todos os problemas do Direito Penal Fiscal, o que seria incomportável para um trabalho deste tamanho. Assim, não abordaremos, por exemplo, problemas de autoria e comparticipação, maxime a responsabilidade das pessoas colectivas, problemas específicos de imputação subjectiva, como o erro, ou das causas de justificação e do concurso com outros crimes do chamado Direito Penal Clássico ou de Justiça. Nem tem como propósito a análise de todos os tipos legais de crime fiscais. Pelo contrário, tem um objectivo menos ambicioso: interpretar o crime de fraude fiscal à luz do bem jurídico , tendo presente situações práticas com que o profissional do foro poderá ver-se confrontado. Mais especificamente, estas páginas visam traçar algumas considerações acerca da configuração do tipo objectivo de ilícito do crime de fraude fiscal tendo como critério de resolução de problemas interpretativos o recurso ao bem jurídico Dividiremos a investigação em duas partes: uma em que abordaremos a temática da função do bem jurídico no âmbito político-criminal, seu conteúdo e critério de identificação daqueles susceptíveis de gozarem de tutela penal, para terminar, após um primeiro traçar dos contornos das condutas tipificadas pelo tipo legal, com a enunciação do bem jurídico tutelado pelo crime de fraude fiscal; outra direccionada à resolução de problemas práticos que o crime de fraude fiscal pode suscitar, usando como ferramentas de trabalho as "conclusões parciais" destacadas no final de cada capítulo da primeira parte.