Passados alguns anos desde o assim chamado annus mirabilis de 1989 (Häberle), com a propagação de uma certeza da vitória do liberalismo econômico e da democracia representativa ocidental, a abertura do mundo da vida às mais amplas formas de intercomunicação e a inserção da multidão no mercado de consumo, uma coletânea que (ainda) pretenda discutir a valência contemporânea dos direitos humanos parece, quando menos, intempestiva, mormente por fixar como ponto de discussão o seu antípoda par excellence, o estado de exceção. Mas aqui ingressa, entretanto, o próprio conceito de contemporaneidade, pois, conforme Barthes, ser contemporâneo é ser intempestivo, extemporâneo, mesmo imprevisto. E nada e nem ninguém supunha que, uma vez derrotados os inimigos internos e externos da democracia e dos direitos humanos, viveríamos tempos de deficium de nossas certezas e princípios fundantes da comunidade humana. E discutir a valência dos direitos humanos como modo de evicção da civitas dissolutas é isso: um extemporâneo de nosso tempo, quanto mais por que, se ficarmos no campo da violência e do terrorismo [do Estado?], as democracias ocidentais não parecem capazes de enfrentá-lo[s], a não ser que utilizem instrumentos e estratégias que ao largo minam os valores sobre os quais se fundam estas democracias (Esposito). O que nos resta, portanto, é, como López Aranguren, perceber que a democracia não é um status no qual o povo possa comodamente instalar-se. É uma conquista ético-política de cada dia que só através de uma autocrítica sempre vigilante pode manter-se. E como não há democracia sem direitos humanos, a vigilância se desdobra sobre estas duas frentes, conforme o demonstrado pelos autores dos diversos artigos que compõem essa coletânea. Sejam, portanto, bem-vindos ao deserto do real.