Vocês precisam entender que nada disso está acontecendo. A distinção entre real, fictício e imaginário se quebra neste livro por meio de um excesso de efeitos de real que impressionam pelo absurdo da situação, ao mesmo tempo em que a impressão de absurdo é liminarmente desfeita, num lance contra a banalização do imaginário e a favor de uma consideração mais sensata sobre a concretude da existência humana. O excesso orgíaco do texto romanesco de Arturo Gouveia convida o leitor a no mínimo dois tipos de evocação: um, a música barroca; outro, a obra de Georges Bataille (1897-1962) e suas noções de dispêndio e de erotismo. Essas evocações se unificam na dimensão religiosa em cada detalhe desse livro também ele barroco e exuberante. Tudo é linguagem, tudo é religião; mas o leitor começará a desconfiar dessas verdades quando se perguntar, em meio às astúcias da razão narrativa empenhada aqui, sobre a realidade da juíza, interlocutora constantemente pressuposta do narrador. Entre a ficção literária e a realidade jurídica, não estaria Arturo Gouveia, com essa obra, exigindo um lugar ao lado de Franz Kafka?