Entregamos, com muita alegria e felicidade, à comunidade jurídica brasileira a 1ª edição do volume dedicado à Responsabilidade Civil, parte integrante do nosso Curso de Direito Civil. Neste volume temos a enorme satisfação de dividirmos a elaboração do conteúdo da obra a seis mãos, unindo esforços ao amigo Felipe Peixoto Braga Netto. Felipe é Procurador da República em Minas Gerais, doutorando pela PUC/RJ e mestre pela UFPE. Atua vivamente na docência há mais de dez anos. É autor de artigos científicos em quatorze obras coletivas e, além disso, no campo jurídico, já publicou os livros Teoria dos Ilícitos Civis, Manual de Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil do Estado (todos atualmente editados pela Editora JusPodivm). Felipe tem na escrita um de seus dons e amores. Não por acaso, dedicou a Belo Horizonte - cidade que tanto o seduz, e da qual recebeu o título de cidadão honorário - um livro intitulado As coisas simpáticas da vida, em que confessa que "nunca soube bem se andava pela cidade ou se a cidade andava dentro de mim, feliz por nos parecermos tanto, por ela ser, em tantos aspectos, um resultado aprimorado dos meus desejos". A respeito do carnaval de Olinda, em Pernambuco, onde cursou o mestrado, escreveu em 2005: "Até hoje não esqueci a cantada que uma menina me passou - adoro meninas que dão cantadas, quebrando esse detestável dever que história nos impôs. Estava andando, de camisa azul, um pouco inocente, quando ela, sentada na calçada, falou: Ei, de azul, me leva pra tu.... Não sei se foi de improviso, ou se foi uma cantada personalíssima (só para os poucos cidadãos de azul que passavam por ali), mas o fato é que não esqueci. E só não levei comigo por uma timidez que, até hoje, insiste em me acompanhar nos momentos cruciais". Já a respeito do sotaque mineiro, ironizou carinhosamente: "Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor. Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque". A escolha, portanto, se justificou pelo compartilhamento de ideias a respeito da ciência do Direito e da própria vida humana. Trata-se de um colega de Instituição e de magistério que partilha do ideal que através do trabalho é possível construir uma sociedade mais digna, justa e solidária. Pois bem, com a vibrante e inspiradora companhia de Felipe Peixoto, prevaleceu neste livro um tratado geral dos sotaques brasileiros: da Bahia, de Cristiano, às Minas Gerais, que Nelson e Felipe adotaram afetivamente, procuramos apresentar as mais diferentes e contemporâneas teses jurídicas do Direito da Responsabilidade Civil. Assim, transcendemos de uma compreensão puramente regional para uma visão cosmopolita e universal, descortinando uma Responsabilidade Civil que se conecte às diversas filigranas do mosaico brasileiro do terceiro milênio. A base fundante do nosso Curso de Direito Civil permanece intacta: cuida-se de livro que homenageia a compreensão civil-constitucional que serve como bússola para os nossos escritos, optando por captar as diretrizes do Direito Privado a partir das ondas emanadas do radar constitucional, marcado, particularmente, pela prevalência da dignidade do homem, da solidariedade social e da isonomia, como se deflui dos arts. 1º, III, 3º e 5º da Lei Magna. De certo modo, a Responsabilidade Civil talvez seja o instituto jurídico que mais se redefine a partir das mudanças sociais. O estudo do Derecho del Daños, como se prefere na língua de Cervantes, - e aí está uma de suas belas potencialidades -, não evolui apenas através da acumulação de conhecimentos, mas também incorporando novos modos de percepção. No século XXI, o fenômeno se põe com maior clareza. Para que a Responsabilidade Civil possa, de modo eficaz, continuar desempenhando as funções clássicas que exerceu no passado - e além disso atender às suas novas funções - é essencial que o intérprete dialogue com as mudanças sociais havidas e em curso. Sem isso, será ingênua e estéril qualquer abordagem da responsabilidade civil contemporânea. Despontando na posição de vanguarda na experiência jurídica, a sua evolução - que não se fez por caminhos dóceis ou silenciosos, mas sonoros e acidentados - reflete, em boa medida, as dificuldades e os dilemas e vividos por cada sociedade, em tempos históricos distintos, que precisou solucionar o difícil problema dos danos indenizáveis. Outro aspecto curioso que define a Responsabilidade Civil através dos séculos é o seu pendor para antecipar soluções que o legislador ainda não previu, ou não pôde prever. Nota-se, também aqui, um certo traço iconoclasta, ou pelo menos uma tendência para desbravar novos caminhos - e isso lhe confere cores próprias, no tão caracteristicamente conservador universo jurídico. É fácil ver que a sua ontologia favorece certo dinamismo: a Responsabilidade Civil opera com conceitos abertos, cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados. O juiz, para decidir um caso relativo à matéria, deve apreciar se houve ou não um dano; se o dano é relevante; se há nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do suposto ofensor; se há culpa, nos casos de responsabilidade civil subjetiva (isso nos casos mais simples. Nos casos mais complexos, o acréscimo de variáveis é potencialmente infinito). Se todas as respostas forem positivas, ainda precisará lidar com delicado problema da quantificação, que se torna árduo nos danos extrapatrimoniais, e ainda mais difícil quando se trata de impor sanções exemplares, de índole punitivo e pedagógica. Enfim, as abordagens são muitas, e nem sempre triviais ou fáceis. Essa flexibilidade orgânica, se podemos falar assim, habilita a ciência a refletir, com uma velocidade talvez maior que as demais categorias jurídicas, as profundas mudanças sociais dos nossos dias. Há, por outro lado, não convém negar, uma certa balbúrdia conceitual. A jurisprudência nem sempre apresenta coerência e sistematicidade em seu conjunto de decisões. Sabemos - e é triste que tenhamos isso - de casos iguais ou parecidos que recebem decisões não só distintas, mas opostas.