Depois de duas décadas em que a globalização foi declarada como destino inevitável da modernidade, começa a estudar-se a variedade de intercâmbios, desencontros e desigualdades que provoca. Não a imaginam do mesmo modo o gerente de uma empresa multinacional, os governantes de países centrais ou periféricos, migrantes multiculturais ou artistas que buscam ampliar sua audiência. Somente alguns poucos políticos, financistas e acadêmicos - sustenta Canclini - pensam em uma globalização circular. O resto imagina globalizações tangenciais: com os que falam o inglês, com nações da própria região ou em acordos de livre-comércio para se protegerem da concorrência generalizada. Junto à homogeneidade gerada pela circulação de capitais e bens, emergem as diferenças culturais. Não como simples resistências ao global. O autor explora, a partir de uma vasta bibliografia que inclui a já consagrada e a mais recente, como mudaram as aproximações e discrepâncias entre Europa, América Latina e Estados Unidos. Com cifras e dados novos compara os modos distintos de como se globalizam as finanças, a cidadania, as artes visuais, as editoras, a música e o cinema. Examina as ambiguidades que escondem as metáforas empregadas para se falar de conflitos de fronteira e analisa o humor nos mal-entendidos interculturais. Mas este não é só um livro sobre a globalização; propõe, ainda, como renovar os estudos culturais - dialogando com a antropologia, a sociologia e a economia - para reconstruir um pensamento crítico. Pergunta-se sobre o quê fazer para que os intercâmbios globais não sejam gerados apenas em lobbies de empresários e, sim, deslocando-se para a esfera pública na perspectiva da construção de uma cidadania mundial. A posição destacada de Néstor García Canclini no quadro intelectual latino--americano foi reconfirmada em 2002 quando lhe foi concedido o "Prêmio de Ensaio Literário Hispano-Americano Lya Kostakowsky", da fundação mexicana Cardoza Aragón, por um estudo de sugestivo título: Latino-americanos buscando lugar en este siglo. Seu lugar nestes últimos cem anos Canclini já encontrou. Antropólogo de formação, contribui com originalidade para a renovação dos estudos da cultura no hemisfério e fora dele. E o faz rompendo com o velho hábito sociológico de sempre tudo analisar, neste domínio, sob o ângulo do poder e da dominação, empreitada com frequência marcada por tons apocalípticos e impasses teórico-práticos não raro falsos e imobilizadores e desde cujo ponto de vista a única ação frequentemente possível é a acusação que se encerra em si mesma. Não insistindo em considerações políticas já conhecidas, e por isso mesmo conseguindo um impacto político ainda mais incisivo quando se trata de discutir-nos, a nós de América Latina, em nossa tripartida figura de "produtores, migrantes e devedores", como ele tem feito, Canclini busca antes entender o processo cultural de seu tempo e repensar os modos de fazer arte, cultura e comunicação nesta difícil fase da aventura humana. Ele mesmo um intelectual, digamos, globalizado, num ano típico Canclini (um argentino residente no México) pode ser visto e ouvido por toda parte na América Latina e outros cantos do mundo, dando prova de que também é feito de aspectos positivos o atual fenômeno da globalização - esse "objeto cultural não identificado", como ele escreve, aqui examinado sob múltiplos aspectos. A busca da identidade, pessoal e nacional, num drama estéril de que não acabamos de nos livrar ou no qual ainda insistem em nos jogar; o mercado e a interculturalidade; a cidade global e a "antropologia dos mal-entendidos" são alguns dos temas tratados por Canclini em volume costurado por fino senso de humor (algo inesperado, porém de todo pertinente num livro sério) e escrito em estilo que o torna uma bela peça de literatura, dando razão ao bom gosto de seus recentes premiadores.