A passagem do tempo cria, molda, muda, desgasta e destrói. Para imediatamente ressuscitar um novo ciclo com vidas, mortes, transformações, amálgamas: do nada surge algo, o todo vira outra coisa. Já não somos o que éramos antes, ainda não somos o que haveremos de ser. Mas o que somos também contém algo do que fomos e do que seremos. Este livro fala disso - o vir-a-ser que é o fundo da experiência humana -, mas de um ponto de vista especial, só compartilhado pela metade da humanidade: o ponto de vista da mulher. Guiados por uma narradora-personagem inesquecível (que é ao mesmo tempo arquétipo do feminino e gente como a gente), assistimos aqui às venturas e aventuras daquilo que Freud chamou de "tornar-se mulher". E percorremos, nesse caminho da subjetividade em construção permanente, de corpo e alma em mutação, uma linha do tempo no feminino: banhada, portanto, nas águas da sensibilidade, da inteligência sutil, da (pro)criação de seres e saberes. A poderosa prosa poética de Daniel Chutoriancy (valorizada aqui pela surpreendente transição entre os capítulos, indecisos entre fusão e separação, como os seres humanos) descreve esse tempo-mulher com tanta força, com tanta beleza e com tanta humanidade que leva/eleva o autor à categoria dos grandes intérpretes da alma feminina, como os leitores podem constatar aqui. É a esses leitores que ele oferece, como um presente: "Tempo em sua transitoriedade e universalidade, transitoriedade enquanto matéria, universalidade enquanto conteúdo, nas páginas brancas com tinta escura sendo percorridas pelo olhar no feminino. Eis o nosso oferecimento..." Só nos resta agradecer-lhe por esta experiência singular de leitura em que a poesia se entremeia com a vida.