Diante dos insatisfatórios resultados econômicos da implementação de reformas liberais no Brasil, na América Latina como um todo, patrocinadas pelos principais organismos inter-nacionais — FMI e Banco Mundial — em consonância com os poderes nacionais, foi se conformando um processo de ajustamento da questão social ao baixo crescimento e à gestão econômica liberal-conservadora. Ao contrário do período desenvolvimentista (1930-1980), em que o crescimento econômico acelerado representava um elemento central da incorporação social, principalmente pelo mercado de trabalho — mesmo sob o conservadorismo do Regime de 1964 — o lento crescimento econômico característico do projeto liberal de inserção do Brasil na ordem global é tratado como limitação primeira para um projeto social mais avançado no país. Apesar dos esforços reformistas democráticos nos anos 1980, consagrados principalmente na Constituição de 1988, e de certa resistência das forças progressistas no período posterior, o enfrentamento da questão social ficou condicionado ao padrão de baixo crescimento econômico e às conseqüentes limitações materiais no que se refere à dinâmica do mercado de trabalho, às possibilidades de financiamento do Estado, ao alcance das políticas públicas etc. Assim, foi se conformando no país um projeto social rebaixado, ajustado ao baixo crescimento e à ortodoxia econômica liberal, que explicita um novo padrão normativo assentado sobre a redução de direitos sociais e distante de aspirações democráticas mais amplas. Na linha do chamado “ajustamento com face humana”, trata-se de um processo silencioso e difuso de compatibilização dos interesses dos muito ricos (em geral rentistas, favorecidos pelas benesses da política econômica, dos juros altos e da dilapidação do Estado) com a assistência precária aos muito pobres, por meio de políticas sociais focalizadas de transferência de renda, num quadro de desestruturação do mercado de trabalho, de crise permanente das finanças públicas, regressão da estrutura produtiva e do rebaixamento das condições de vida de amplos setores da classe média.