A jornalista, roteirista e escritora norte-americana Norah Ephron sempre procurou o lado mais engraçado da vida para mostrar em seus trabalhos. A sofisticação e o bom humor seguem como suas principais características, mas um leve toque melancólico também atravessa as páginas de Não me lembro de nada - E outros papos da idade madura. Aos setenta anos, a autora, que já revelou as agruras do envelhecimento com ironia e bom humor no bestseller Meu pescoço é um horror, agora usa seu talento, sensibilidade e sinceridade para falar sobre os efeitos da passagem do tempo sobre a memória. E se revela dependente do Google, "o mago da internet", a quem recorre com frequência quando ela, a memória, falha. É nesta fase de esquecimentos - de objetos e da fisionomia de pessoas, inclusive as mais próximas - que voltam, com bastante clareza, as recordações de outras épocas, como a infância em Hollywood, o trabalho no jornalismo e o encontro com figuras célebres, como a escritora Lilian Hellman, com quem manteve amizade durante muitos anos. As referências a artistas, intelectuais e políticos estão por todo o livro. Não só Nora conviveu com a comunidade hollywoodiana, como também foi jornalista em Nova York e Washington. Se a especialidade da escritora é a criação de comédias românticas como Harry e Sally - feitos um para o outro, que a tornou famosa, e as situações engraçadas, mesmo com um toque de humor macabro, como no livro O amor é fogo, baseado em sua separação do jornalista Carl Bernstein, a verve irônica agora divide espaço com uma certa nostalgia, e momentos dolorosos se sobrepõem a situações cômicas em algumas crônicas. Mas o tom é sempre o de quem sabe que rir de si mesmo é o melhor remédio, inclusive para o envelhecimento. Rompimentos por conflitos familiares aparecem em relatos vívidos, como o alcoolismo da mãe ou a mágoa com a irmã que a exclui de uma partilha de bens. Há também momentos de dor na morte de uma grande amiga, o desinteresse pelas novidades - de seriados de televisão a drinques -, além de um belo relato sobre sua iniciação na carreira jornalística. O amor por Nova York, a cidade onde escolheu viver, também é declarado neste texto - duro, ao descrever as agruras de uma jovem lutando para marcar sua posição em um mundo masculino, porém comovente, ao externar sua paixão pela profissão. É refletindo sobre as situações corriqueiras do dia a dia que Nora Ephron transforma suas crônicas numa elegia à vida, superando dores, tristezas e os impedimentos da velhice com elegância e, acima de tudo, bom humor.