A professora da Psicologia da Universidade de São Paulo Ecléa Bosi afirmava, calçada por décadas de pesquisa com a memória social, que o saudosismo é um direito do cidadão. E esse é o direito que o autor deste romance, Vila Buarque - o caldo da regressão, exerce nesse momento tão dramático da história do Brasil. Partindo de uma forma pouco usual, tanto para memorialistas quanto para romancistas de hoje, Vila Buarque pode parecer um pouco estranho em seu início: um policial encontra, morando nas ruas, um velho companheiro de escola e, junto com um casal homossexual também vivendo na rua, Rômulo e Remo, todos partem para um passeio à pé pela cidade de São Paulo, rememorando velhas formas de viver e fatos históricos marcantes. Durante essa caminhada, há uma longa conversa, que segue o passo difícil da caminhada: no início, eles parecem perdidos, e os passos são mais lentos; depois, as imagens começam a se tornar mais nítidas e dinâmicas pela cidade que mudou radicalmente no século XX. O ponto alto do livro está mais para o final, quando os celerados do Comando de Caça aos Comunistas atacam brutalmente os estudantes da Faculdade de Filosofia da USP, a Maria Antonia. Gama, então morador da Vila Buarque e hoje um policial aposentado, sem ser estudante da USP, estava do lado progressista e ajudou moças e rapazes a fugir e se organizar, cedendo a própria casa. Depois disso, nunca largou a militância, ajudando a desmascarar fraudes e acusações falsas contra a esquerda já depois do fim do regime militar. Esse relato, assim, é ao mesmo tempo que romance, um documento histórico, que entrará para o seleto grupo de obras que que registraram as mudanças na cidade e nas ideias de urbanidade e civilidade entre nós: em algumas décadas. Figurará nas estantes e bibliotecas ao lado de São Paulo naquele Tempo, de Jorge Americano, Belenzinho, 1910, de Jacob do Belenzinho, Ronda da Meia-Noite, de Sylvio Floreal, e Boca do Lixo, de Hiroito de Moraes Joanides.