Abel e Caim encontraram-se depois da morte de Abel. Caminhavam pelo deserto e reconheceram-se de longe []. Os irmãos sentaram-se sobre a terra, acenderam o fogo e comeram. Estavam calados, à maneira das pessoas cansadas quando o dia declina. [] À luz das chamas, Caim percebeu na testa de Abel a marca da pedra, deixou cair o pão que estava prestes a levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado seu delito. Abel respondeu: ‘Tu me mataste ou eu te matei? Já não me lembro’. Assim escreveu Jorge Luis Borges em sua obra Elogio de la Sombra. A consciência de que o perdão é uma realidade complexa e irredutível a algum tipo de codificação jurídico-social aparece já num curioso dado estatístico: na língua hebraica bíblica que possui apenas 5.750 vocábulos, há oito verbos para dar conta, do ponto de vista semântico, de uma experiência que possui um leque temático variado e cheio de nuances, iridescências e facetas. [...]