É uma felicidade que o melhor do homem seja a sua capacidade de lembrar. Um escritor é surpreendido na frase pela intromissão gloriosa da memória e da melhor memória, a da infância, da primeira adolescência, dos fatos insubstituíveis e fundadores da existência. O Luis não devia nada. Já construiu uma reputação como cronista, incomum na economia da frase, nas doses de ironia e sarcasmo, atento observador desse divertido cotidiano; um escritor que é uma multidão quase todo dia. Não devia absolutamente nada. Mas agora, com Autobiografia de uma paixão, o futebol por sua inesgotável exigência de que sejamos diante dele o que sempre fomos, em fidelidade, aprumo e compromisso, revela um Luis anterior ao Luis que quase todos conhecem e admiram. Este livro são as memórias do guri da Felipe de Oliveira, da vó elma, dos eucaliptos, das primeiras escolhas definitivas sobre a vida que devem ter valido para as grandes decisões: escrever ou não escreve, casar, deixar o Rio, fazer desenhos. Enfim, os méritos que o livro repassa são como uma dádiva da escrita, da percepção das coisas e dos homens, da invejável ironia que não permite ao autor sentir-se acima do leitor, do sarcasmo com que sabe destituir as imponências, e esse olhar compreensivo e solidário que tem sobre o mundo, tudo isso é pouco diante do que esse livro concede ao leitor, o Luis memorialista. Só mesmo o futebol