Romance fundamental na literatura latino-americana do século XX, O silencieiro, de Antonio Di Benedetto, ironicamente teve que passar por décadas de silêncio para vir a ser notado em sua real dimensão. O título, feliz neologismo criado pelo autor, pode ser interpretado como o fazedor de silêncio. O silencieiro, personagem sem nome, narra o drama desesperado em que se envolve por não suportar o ruído do mundo. Tem 25 anos quando começa sua história, vive com a mãe numa casa de subúrbio, com poucos amigos (Besarión), poucas mulheres (Leila e Nina), um tio e um trabalho enfadonho. Planeja livros que não chega a escrever, deseja Leila mas casa-se com Nina e se muda para outro lugar, tem um filho, pouca coisa mais. A essa pobreza do cotidiano mas não desprovida de entrechoques extremos dos personagens e de circuntâncias bizarras, que vão em crescendo, acopla-se uma escritura despojada, à primeira vista, de qualquer efeito literário, por certo capaz de amplificar o sentido daquela pobreza exatamente pelo que dispensa, subentende ou disfarça. Essa aparente escritura objetiva, neutra ou protocolar, no entanto, é trabalho de ourivesaria, pois se dissemina em todo o texto um uso particularíssimo da linguagem, o que se pode ver em qualquer passagem do livro, a exigir do leitor uma abertura para novas relações metafóricas e uma educação severa para o cultivo das elipses (que paradoxalmente argamassam o texto, pela ausência). Por outro lado, o leitor vai envolvendo-se num roteiro tenso, no qual só na aparência nada acontece, levando-o a prosseguir com uma curiosidade crescente por pequenas circunstâncias tão ímpares, desencadeadas pela impossibilidade de o narrador suportar os ruídos que o cercam, desde a primeira frase do romance. E como todo o livro é narrado num tempo sempre presente, o leitor é chamado a se situar bem próximo, colado às circunstâncias, sem poder se distanciar delas.